Essência
Confesso a vocês que algumas vezes preciso resgatar a essência dos valores que me motivaram a começar a coluna de gastronomia. Divido com vocês alguns desses pontos. 1) Apresentar para os leitores alguns restaurantes que muitas vezes não sabiam que existiam na cidade. 2) Falar de algum prato desse restaurante, despertando a curiosidade do leitor. 3) Contar um pouco da história do prato ou do restaurante ou da cidade. Eu considero que a “experiência gastronômica” de uma pessoa quando come fora é um conjunto de fatores que vão do ambiente, atendimento, limpeza, passando pela diversidade de pratos oferecidos e chegando na qualidade e sabor da comida em si. Mas não termina aí. O pós-evento também faz parte desse conjunto. Por exemplo, quando no dia seguinte você não se sente bem, está com o estômago pesado, você inconscientemente associa esse mal-estar com o local onde comeu. Quase como se fosse um rótulo. A junção de todas essas sensações monta em nossa memória o complexo quebra-cabeça da “experiência gastronômica”.
Escrever ou não escrever, eis a questão
Coloquei esse tema em pauta porque dentre todos os fatores mencionados acima, apesar de todos serem importantes, a qualidade e sabor da comida são os principais. Você pode ir a um lugar lindo, onde as pessoas te atenderão com simpatia e de forma acolhedora, mas se a comida não estiver gostosa, a decepção é imediata. Provavelmente você não terá desejo de voltar nesse lugar. Por outro lado, se o lugar for simples, sem luxo, mas limpo e a comida for deliciosa, tenho certeza que te trará boas recordações e um desejo de voltar. Essa experiência aconteceu comigo quando meio que sem querer fui visitar o restaurante árabe Cham. Quando cheguei me deparei com um estabelecimento simples, com cinco mesas e não mais que dez cadeiras. Já na entrada fui recebido pelo proprietário, senhor Oussama, de uma forma muito simpática. Ele e a esposa estavam no restaurante quando chegamos no final da noite. Ainda não sabia o que me esperava e irão notar a seguir que foi uma experiência gastronômica muito bacana e me deixou com vontade de voltar. Por ser um estabelecimento pequeno e simples fiquei analisando se fazia sentido escrever sobre ele, mas toda vez que lembro da comida que provei ali a conclusão que chego é: eu não posso privar as pessoas que lerem a coluna de ter a oportunidade de comer comida síria tão boa.
Eu quero tudo
Como de costume perguntei sobre a sugestão da casa, o prato mais tradicional, o que faz mais sucesso, TOP 1. O senhor Oussama, de forma divertida me respondeu: “aqui você poderá comer tudo que tem em qualquer restaurante árabe, só que aqui é mais gostoso”. Fiquei animado e decidi mergulhar no cardápio. Do cardápio escolhi o kibe cru, o trio de pastas (homus, babaganuche e coalhada seca), kafta, falafel e esfiha de queijo. Continuei pedindo, mas o senhor Oussama me alertou que para um casal, eu já tinha ordenado comida suficiente. Depois eu vi que realmente tinha pedido bastante coisa, mas que por conta do sabor e da qualidade dos produtos, não sobrou nada na mesa.
Pratos frios
Dentre os componentes do trio de pastas a maior preocupação é o babaganuche. Ele é o prato que traz a assinatura do Chef. Claro que as outras duas pastas também precisam de atenção no preparo, textura e temperatura que serão servidas, mas são pastas que, digamos assim, estão mais sob controle e com um pouco de atenção, apresentarão o sabor esperado. Já o babaganuche possui detalhes que fazem o sabor variar e cada Chef tem sua técnica, o tempo que deixa a berinjela assando, os temperos. Isso será crucial entre um babaganuche ácido ou não, no quanto ele terá aquele sabor defumado dentre outros pontos. O babaganuche servido no Cham me deixou bem contente.
Ele não era ácido e estava bem puxado no sabor defumado. Junto com o trio de pastas recebemos o kibe cru que estava impressionantemente vermelho, realmente chamando a atenção. Quem come kibe cru sabe que pode receber um prato com a coloração bem pálida, apagado. O que costumo brincar e chamar de um kibe cru “cansado”. Esse que chegou à mesa era o oposto. Estava bem vermelho, com uma coloração viva. Sempre acompanhado de hortelã e cebola, ele mal aterrissou à mesa e eu já estava morrendo de vontade de começar a comer. Eu aprendi a comer kibe cru acompanhado de coalhada seca e fica aqui uma dica. Não é raro eu ver a coalhada ser menosprezada no trio árabe. Algumas pessoas não são atraídas por essa comida. Minha dica é que você experimente a coalhada seca (regada por um bom azeite) junto com o kibe cru. É um romeu e julieta árabe (estou agora aqui lembrando do senhor Waldemar, meu sogro, e rindo um pouco. “Piada interna”). Mas acredite. Faça essa experiência e depois me conte. Esses pratos frios vieram acompanhados de pão folha. O pão estava quentinho em uma cesta.
Pão = talher
O senhor Oussama me perguntou se eu desejava mais pão folha. Claro! Ele consegue ser mais leve que o pão sírio e servido como foi, quentinho, estava irresistível. Ao ver que queria pão adicional ele me respondeu: vou fazer mais pão para você. Isso me deixou com uma pulga atrás de orelha. Fazer? Será que ele quis dizer esquentar ou fazer quer dizer “fazer” mesmo? Não gosto de levar dúvidas para casa e precisei perguntar para ele o que “fazer” significava. A reposta me deixou ainda mais animado. “Fazer” quer dizer fazer mesmo. Ele me convidou para ver o preparo. Ele tinha uma almofada redonda onde a massa é aberta. Após esse processo ele é assado em uma chapa que parece um disco de arado. O pão folha é mais fino que o pão sírio e é feito apenas com farinha e água. Ele é usado para substituir os talheres para o consumo das pastas e do kibe cru.
Pratos quentes
A kafta estava muito saborosa e tinha um tempero bem peculiar. Diferente do formato cilíndrico, parecendo uma linguiça, que normalmente eu já tinha consumido, essa foi servida em um formato parecendo um hambúrguer. É servido mais bem passado, se eu puder fazer uma analogia. Junto com a kafta, comi o falafel, um bolinho frito, redondo achatado, feito à base de grão de bico ou fava, sempre servido com um molho de tahine (pasta feita com sementes de gergelim).
Ainda nos pratos quentes, provei a esfiha de queijo e confesso que foi a esfiha de queijo mais diferente que já provei. Ela foi feita com pão folha, recheada com queijo. Parecia um sanduiche de queijo feito com pão folha. Sim, gostosa, mas me gerou uma pequena frustração interna porque estava esperando o formato mais tradicional.
Halawi
Mesmo tendo pedido muita comida, e ter comido tudo que chegou à mesa, não me privei da sobremesa. O senhor Oussama me disse que o Halawi (doce de gergelim) estava fresquinho porque havia sido feito pela esposa dele. E estava fresquinho mesmo. Uma oportunidade única de comer tal doce fresco. Se você gosta de Halawi, recomendo comer o que é servido no Cham.
Cham
Endereço : R. São Jorge, 127
Telefone : 2408-4591
Site : https://www.facebook.com/chamcomidasiria/
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6 Comentários
O Cham é realmente uma ótima experiência gastronômica.
Que bom que compartilha da minha opinião. Que prato comeu lá?
Tudo é verdade. Não apreciava este tipo de comida até provar a comida do restaurante Cham e descobrir que o problema era a qualidade do que já tinha provado antes, inclusive em restaurantes árabes conhecidos. O Sr. Oussama prepara tudo de uma forma tão única que sempre me deixa com vontade de voltar.
Que gostoso ler seu comentário. Essa é a ideia da coluna. Ser livre, ser isento. Meu compromisso é apenas com vocês, leitores. Me diga, que pratos comeu lá ?
Fiquei com vontade de conhecer!
Renata, não passe vontade não. Lugar é simples mas a comida é memorável…